Papo na praia
Um flagrante insólito em uma praia paraibana. Em pleno outono com o Sol brilhante, brisa suave, mais parecido com um período de alto verão.
O que imaginar sobre o conversado entre um caranguejo: esse decápode de olhos grandes e pedunculados, portador de um par de quelópodes terminados por duas temíveis pinças, invejadas pelos amigos e temidas pelos inimigos, predadores de maior porte. A sua companheira de diálogo, uma caravela com a sua aparência medusóide, que funciona como um flutuador cheio de gás, azulada, translúcida, de enganosa inocência e tentáculos urticantes.
Talvez sobre amenidades como o calor, a temperatura da água, as marés, o Sol, a circulação de turistas, o lixo deixado de forma descuidada pelas pessoas em geral. Poderia ser também sobre aquela tartaruga, amiga comum, que tendo nascido por aqui, rodou os oceanos por 25 anos, passando pelo mar do Caribe e via canal do Panamá, acabou desembocando no Pacífico Sul, indo até a Polinésia Francesa. Ela foi vista por aqui, na mesma praia onde nasceu, enterrando uma ninhada de mais de cem ovos, produto de suas andanças mundo afora. Ou será que conversavam sobre os escândalos financeiros, políticos e a corrupção que pipocaram de forma geométrica por todos os cantos, ou até quem sabe sobre a alta do dólar. Pode ser também sobre a multiplicação dos jet-skis, kite-surfs, banana-boats e surfistas que ocupam espaços ora exclusivos da fauna marinha. Ou seria somente um momento de intimidade em que mornas amenidades são trocadas longe dos olhos curiosos de parentes ou vizinhos, fofoqueiros sempre prontos a comentar sobre a vida alheia.
Não dá para saber exatamente o tratado naquele momento. O que se comenta nos arrecifes é que existe uma resistência ferrenha da família do crustáceo e da família do cnidário sobre esse incipiente relacionamento. O medo das famílias é que o relacionamento fique sério demais e possa evoluir para uma paixão incontrolável que possa deixar cicatrizes permanentes sob a forma de queimaduras com graus variados no caranguejo ou por ferroadas de dor intolerável e até fatal para o lado da caravela.
Por certo uma paixão impossível, por absoluta incompatibilidade de corpos.
Uma pena.
Texto: Gomes
Fotos: Márcia Gomes